sexta-feira, 25 de fevereiro de 2011

OUTRO MESMO

Sou muito mais conflito do que um, sou arte.
Não, não sou.
Uma palavra inventada sob
o fardo de um corpo
que com pouco se farta.
Quero ser mil e um
em um só tempo.
Um para qualquer coisa,
um mesmo copo de tudo
cansado a colo e coito.
Afoito, faço e reparo
a qualquer moda.
É que eu me esqueci
da letra do nome;
deixei que corressem as horas
até que me perdi do tempo.
De mim não sei,
vou acabar no bloco dos sem fantasia:
abro um sorriso, me pinto de preto
e saio a procura daquela fotografia azeda
que me faz chorar de alergia.

quinta-feira, 25 de novembro de 2010

Sou?

As palavras esvaziam o meu silêncio.
Cuspo esta gosma fétida em verbo,
raspo o sebo das américas latrinas
rumo ao auto-extermínio.
Me desfaço em colônias existenciais
para que meu coração não me acometa.
Para come-la de quatro enquanto há;
deglutir a terra primeira do ser
sem enunciados nem justificações...
Me incomodar sem algum motivo,
convencê-los com nenhum argumento.
Quero coroar Rei o meu silêncio,
o meu sentido mudo de mundo,
ser potente que se esvai desassumindo...

sexta-feira, 19 de novembro de 2010

ALGUMA COISA

Vivo a vida no imperativo
com um hiperativo que me resseca;
que me fala; que me cala e fala de novo
num tal de ter quê querer, ter quê fazer:
num tal de ter quê.

Me desapresento e tenho fome, vício
e um desejo que é necessário:
necessito dessas desnecessidades.
Já me faltam faltas a querer,
estou cheio de nada que me represente,
estou cheio de coisa qualquer...

Quero matar-me de satisfação
para aniquilar minha vontade de ser
e acabar com essa secreta angústia
que cuspo em teoremas do nada;
poesias pálidas e ocas; fast foods literários...

Minha poética é necessidade
e sua maior riqueza é significar o vazio,
provar do gesso cru, fazer sentido de modo qualquer.
Ela é o tanto que me faz nenhum,
o que na falta me preenche de nada.

terça-feira, 19 de outubro de 2010

SÚPLICA A SÃO JOÃO

Meu São João,
querido santo ambulante,
mas que demanda é essa
de deixar o outro falar?
Esse tal outro múltiplo que me trai
em desdicções sem compromisso,
por favor, meu santo, me escute:
que tenho eu com isso?..
Te peço arrego e aconchego.
Tropeço, só um ou outro
que é pra ninguém nos desconfiar.

Ai, meu São Joãozinho...
Não mais quero esse tal
que não me para de querer,
não cessa de me desejar
serpenteando pelas minhas costas
como quem pretende apunhalar.

Por favor, santinho meu,
se sou eu meu traidor,
posso até de ser me deixar, sei lá,
meu santo, só te suplico para deste fantasma me libertar...

Podes me chamar do que quiser:
medroso, recalcado, preguiçoso, ou até zé mané...
Um eu não meu é que não quero
a tornar intranqüilos meus sonhos,
meu sono, o meu ser de cardamomo .

Que venha minha morte parcial!
Assim talvez me veja eu livre
do tal erva - daninha que, por vacilo,
deixei que me invadisse o corpo
de umidade secreta e fluida...

sábado, 16 de outubro de 2010

SEM

Fumo a história enrolada em sentidos:
me alucina o perfume de magnólia
que flui pelo entreaberto da calma.

Fui-me indo despercebendo tudo
na velocidade que fazia lá fora.
Fui-me vendo por dentro
perambulando nu a cortar o vento.
Sem romance, sentido de século, sem eco.
Fui-me desfazendo em esquecimento...

Que letra é essa que me diz silêncio?

Quem é o silêncio que me grita a carne?

segunda-feira, 4 de outubro de 2010

POEMA & POESIA

Outro dia minha avó me fez de avô cuspindo a seguinte interrogação:

- Meu neto, qualé a diferença da poesia pro poema?

Tirando de poeta, respondi:

- A poesia, vó, é a noiva de véu que sempre hesita pro poema poder continuar... Continuar esperando... Continuar buscando palavras, sejam elas florais ou minerais, para entregar à poesia. O poema e a poesia se completam na sua falta, na sua incompletude. Da angústia do poema se alimenta o encanto da poesia. Deste desencontro se nutri e se locomove minha poética.

sexta-feira, 24 de setembro de 2010

PELO TEMPO CRUZADO

Passei foi tempo a descriar palavras
só pra desgarrar do vício.

Foi o tempo quem me passou omisso...

De longe sopraram as horas
deixando só impresentes...
Presente de pacote vazio
do cio seco da fome... (Da falta.)

Escorrego por sonhos sem face nem forma:
uma lembrancinha que seja não me resta ao amanhecer.
Meu embrulho oco se enche do outro,
alço-me em eus inventados
sob o vergonhoso orgulho de nada ser.

quarta-feira, 4 de agosto de 2010

MAIS UM TRAGO

Mudo mundo sujismundo –
Eu mudo o mundo...
Ronco mundo; tronco mudo.
Troco tudo por mais um pouco...
Por mais um pouco deste mundo
cru, suado e imundo,
mais um pouco de traças
e atraso. Só mais um passo.
Só mais um descompasso.

Mais um pouco e eu me casso
e não suplico mais.
Só mais um trago desse cigarro,
um abraço apertado
largado à beira do cinzeiro.

Me suporto nessa boca de bueiro
de quem faz verso sentado de pernas pro ar,
de quem simpatiza os santos mancos
e os deuses coxos da margem esquerda.

Mais um troco fotografado,
mais um Fado, um escarro, um retardo.
Só mais uma canção-retrato,
Só mais um ato...

quinta-feira, 22 de julho de 2010

sem palavras

e quando o sangue seca
as lágrimas ressoam até o ressequido
desse nada, atentado ao devir...

não cabem palavras para suportar,
elas não sustentam o peso do nada
enquanto pairamos entre soluços engasgados...

forte é o silêncio que não se permite calar.
é, o silêncio grita quando chega o fim,
quando chega o tudo,
quando de frente para o nada
a vida se cumpre sem metas.

sábado, 3 de julho de 2010

SÓ ISSO

Acordar de olheiras mal-dormidas;
pisar com os pés frios o duro chão;
sentir a luz queimar nas retinas
ao despertar mais uma vez para tudo isso...

Não o que foi, é ou será,
mas isso que está:
tudo isso que é de (algum) novo jeito.

Demovo tudo e me contento só.
Só com isso que está sem, simples.
Satisfaço-me na falta de...
e faço disso meu gozo diário,
meu santíssimo “pecado solitário”.

Não desejo vôos mirabolantes,
pessoas importantes ou carros turbinados.
Quero só poesia num dia-a-dia
que componho a pés descalços
baseado na falta dura de tê-los presos ao chão.
Quero só nada – saúde e risada.
Só com isso me contento...
Omisso? Nada...