sexta-feira, 29 de janeiro de 2010

PROZAC

Me doparam,
de tudo, só sinto nada.
Antes ia do choro, chorando,
até conquistar a risada...
Mas agora... Nada.

Outrora eu gritava,
agora não sei mais porque.
Eu até chorava,
agora nem mais por você.

Me sinto assim:
desbotado, desalmado,
desanimado... cru.
Sem culpa e sem sexo,
frigidamente nu.

Melhor é chorar,
afogar-se em prantos,
do que rastejar anestesiado
se apoiando em insípidos cantos .

É isso, quero sentir,
nem que seja a mais cortante
das dores humanas,
não quero nem mais um Prozac,
triste felicidade comprimida em miligramas.
(J.P.Guéron)

quarta-feira, 27 de janeiro de 2010

SONETO PARA UM POETA AFOGADO

O poeta se entrega,
se nega e se contradiz,
ele é quem torna donzela
a mais lúgubre meretriz.

Ele é aquele que se trai,
que se desenterra, se diz,
enternecendo frios farrapos
com suas efêmeras metáforas-mis.

Nele, o que fora adorno torna-se raiz
quando empacotadas em sonetos-canções
as mais vis orações.

E assim, de uma forma disforme
conforme nenhuma outra norma,
se atira pro fundo sem titubear.
(J.P.Guéron)

segunda-feira, 25 de janeiro de 2010

POEMA METEOROLÓGICO

Um dia pesado.
Luz e sombra numa fusão delirante,
acinzentou o que fora dourado.
- Vai chover, vai chover!
E o seco se torna molhado.
Da janela, as nuvens aglomerando
apertam-se contra o Corcovado.
E o sol amarela de vez,
pra festa da chuva não foi convidado.

Uma tarde ardente de verão.
E o calor exaure o dia,
até que chega a chuva de supetão,
é água que encharca e alivia.
- Venha senhora chuva, venha
como bandeira, andrade ou cecília,
dissolver o bruto dessa ardente agonia.
Já posso dizer que chove lá fora,
e daquela enxurrada de dor, fez-se a mais bela poesia.

sábado, 23 de janeiro de 2010

RESPOSTA À ESPERANÇA

Fácil é ter esperança
naquele sonho passivo
que vislumbra mudança.
Aqui navegam contemplativos
os mais inofensivos ascetas.
Esperando o evento celeste
que ainda há de exterminar
tudo que é fome, guerra e peste

Deleito-me com quem avança
sem muito esperar,
com a determinação de uma lança
ao perfurar o ar.
Não falo dos céticos,
descrentes cretinos,
com seu mundo sintético
onde sonhar é coisa de menino.

Haitianos têm esperança,
ela não morreu soterrada.
Sofrem os negros caribenhos,
tiveram sua estrutura abalada.
E no piso que era firme
não se firma mais nada.
Fácil é ter esperança,
eles é que não podem esperar...
(J.P.Guéron)

quinta-feira, 21 de janeiro de 2010

VINHO SANGUE

Vinho tinto que
transborda o cálice
e borra sem culpa.
Suspendem-se as pálpebras
quando vultoso falo
deflora a vulva.
Um rito de passagem,
de entrada e de saída,
sublime ritual da vida.
(J.P.Guéron)

quarta-feira, 20 de janeiro de 2010

DEBRUÇO

Eu Luto.
Lato pelo vivo
e calo pelo luto.

Astuto,
me debruço,
embruteço e vivo o luto.

Vivo grego
Viva o vinho!
Viva ela que se entrega de bruços.

Enquanto outros estão enrustindo,
encadeando suas janelas
fingindo não estar sentindo,
ainda me sinto por elas.

Não quero renegar o sentido
como uma dose de anestesia geral
e na feira comprar um sorriso, pois,
por aqui, é proibido se sentir mal.

segunda-feira, 18 de janeiro de 2010

“Désolé”

E se passa mais um agora.
Não espere o tique taque
“Vem, vãobora!”
Que angústia, que demora.
“Não por mais uma hora!”

Então vem a segunda,
fingimos que nada nos assola
enquanto o Nada, aflora.
Nada fruto, Nada flui.
Nada chora.

Fecho os olhos e nada de novo,
Nada agora, nado por mais uma hora...
Espero lamento, espero momento.
espero que role.

E o Nada se desembola...

Há um estalo no ralo,
um movimento de vento:
é marola que rola.
Só um passo e o Nada passa:
É ela que entra de sola,
é ela quem entra e desola.

domingo, 17 de janeiro de 2010

DOCILUSÃO
Chego ao alto do mar
E no fundo do céu,
No cume do mundo.
Até nas estrelas consigo encostar
E o perfume da flor
Quando se espalha no ar
M’ embriaga de vez
E m’inunda de angustia, pois,
Em ti, não consigo tocar.
Fantasia, romance, é tudo ilusão.
Assim pensam os velhos
E seu sábio coração ancião,
Que muito cansado de por aqui sofrer
Prefere não crer que,
Pelos mundos da rua ainda exista paixão.
Petrificado coração navegante da seca,
Não procura mais não, pois,
Sem a ilusão do mar
Coração algum pode navegar.

domingo, 10 de janeiro de 2010

Sonhos de-verão

E o sol quente lá fora
Enquanto aqui dentro, ela mora.
Vem o dia, mas vai logo embora,
Se esvai sem demora.

E o sol quente lá fora..

Mas você não me larga
Me agarra sem hora - Ora bola!
- Será que realmente está?
Que é concreto-matéria, tijolo e cimento
Mas não, o cheiro que sinto
que faz tudo tão produto-bruto
É só mais um fruto, do meu coração

E o sol quente lá fora...
E eu prisioneiro.
Não tem sol, não tem mar,
Me satisfaz o seu cheiro
Perfume que não está, odor que faz sonhar.

Não digo que não vem, pois vem.
Mas vai logo embora,
Como um dia de inverno.
E o sol quente lá fora?

Meu a-mar é extremo
Pode-se dizer: polar
Mas tu não deixas o equador
Preferes a mediocridade para te amornar,
pois temes o frio e repetes a máxima:
“Pés no chão para nunca sangrar!”
-Vamos lá, vamos lá.
embarque comigo para o alto do mar!
(J.P.Guéron)

sábado, 9 de janeiro de 2010

Fragmentos do conto “UMA PEQUENA MULHER” – Franz Kafka(1883-1924)

"Fico mais tranquilo em relação ao assunto quando creio perceber que uma decisão, por mais próxima que às vezes pareça estar, na verdade não virá; há uma certa inclinação, em especial na juventude, a supervalorizar o momento em que as decisões aparecem;(...)
(...)
Assim, de qualquer ângulo que eu examine o caso, resulta sempre a convicção de que, se eu esconder esse assunto sem importância com a mão, mesmo de leve, poderei seguir o curso normal da minha vida ainda por muito tempo sem que o mundo me importune, apesar dos surtos da mulher."

sexta-feira, 8 de janeiro de 2010

Sobre a vizinhança

Sobre a vizinhança
J.P.Guéron
Roedores, larvas e fungos. Umidade e pouca luz, ambiente perfeito para uma vida antagônica a nossa. Coitados de nós, tão frágeis e super dependentes de uma racionalidade vã. Por mais inóspito que possa nos parecer, é neste ambiente que mora ela, a protagonista desta crônica, não é bactéria, fungo, larva ou roedora, alias, ela até se assemelha a uma ratazana. Pois bem, acho que tal ambiente deve convergir com ela. A casa pode revelar aspectos do ser que nem ele tem plena consciência ou, pode também ocultar certos aspectos de seus habitantes. Mas geralmente a primeira opção é predominante.
Enfim, deixaremos as lengalengas da formalidade de lado. A mulher que divide parede comigo, ou seja, minha vizinha, é uma pessoa por demais intrigante, solitária, mal-humorada, mal-educada, rabugenta... Resumindo, aquela pessoa para qual o vulgar adjetivo “mal-comida” se encaixa com a mesma perfeição que a luva veste a mão.
Desde que voltei a viver no número 136 da Rua Itaipava que venho reparando nessa vizinha, alias, acho que as paredes deste prédio são extremamente finas, e por isso, nos momentos em que fico só reparo nos mais variados conflitos dos moradores ao redor. Existe um casal daqueles que passam o dia trocando “patadas”, ele se dedica a azucriná-la sempre que possível, enquanto ela, que permanece a maioria do tempo calada, se faz de vítima e reclama da vida que tem. Típico pacto neurótico. O ambiente que parece insuportável para muitos justamente é aquele que mantém o casal sob o mesmo teto. Por mais que ambos concordem em quão precária anda a relação, ela não muda.
Tem também uma menina que imagino que tenha por volta de vinte e poucos anos, penso numa menina já não mais muito jovem, porém, por demais infantil. Esta está sempre em crises de relacionamento, aos berros ao telefone. Ela começa a chorar, a ficar completamente histérica, o que acontece quase cem por cento das vazes durante as madrugadas. E durante seus chiliques sua mãe simplesmente grita, sem se quer se levantar da cama:
- Não quero ouvir mais nenhum berro! Será que você não tem mais respeito?! Já são três da manhã!
O que acho mais incrível nesta reação materna é a sua contradição, a mãe pede silêncio aos gritos! Deixando a filha ainda mais nervosa, passando ela a não mais discutir com ser amado, mas sim com a própria mãe, que supostamente tentava dormir. Ela questiona a filha, mas não consegue servir de exemplo. Um pedido de silêncio aos berros... Será que essa mãe bateria na filha caso ela agredisse uma coleguinha no colégio para ensinar a filha a não bater nos outros? Batizaria eu esta técnica de pedagogia da contradição, ou melhor, hipocrisia aplicada. Esta mãe talvez diria uma frase que sempre me incomodou e que me lembro até hoje a primeira vez que a ouvi, saída da boca de uma professora primária: “Faça o que eu digo, mas não faça o que eu faço”. Tal máxima deve estar estampada no reino da ética teórica, lugar onde existe uma ética somente na esfera das idéias, idéias as quais estão em constante contradição com a prática real. Opa! Acho que conheço tal reino...
Pois bem, voltemos a nossa ratazana. Ela é daquelas típicas moradoras moralistas ordinárias e hipócritas do reino da ética teórica. Tem uma estranha coceira no lado direito da cara, um daqueles tiques nervosos. Seu rosto foi consumido por um impetigo inflamado que ela tenta esconder com um esparadrapo, como se fosse possível. Eu sinto cheiro de fungo! Seu cachorro da raça York Shire apresenta a mesma patologia, típica de ambientes com a umidade elevada e de baixa iluminação. A casa dela tem dois tipos de “seres” pendurados na parede: traças e quadros. Estes são tantos que mau se pode ver a parede em si, que deve ter sido branca na década de 1980, ano em que ela saíra pra comprar o seu último cavalete. Diz a lenda que ela não saiu de casa desde então. Ah, já ia por me esquecer, já falara dos quadros e dos cavaletes sem introduzir o hobby da Ratazana: a pintura. Ela pinta visando pregar os quadros na parede, toda pintura que faz, pendura. E eu bem sei quando ele termina um quadro. Toc, toc, toc, toc na já mencionada fina parede, não sei como há sempre espaço para mais quadros. Teorizo que ela começou a sobrepô-los e, se o faz, já esta na quinta fileira. Tomara que um dia a parede se torne tão grossa que eu não consiga mais escutar a hora do Brasil no máximo volume de seu rádio, e ela faz isso só pra incomodar o porteiro. Ah, o porteiro... Como ela gostaria de dar para o Valdemir, mas como ele a rejeita, passou a ser seu pior inimigo, a pessoa que ela escolheu para passar seu tedioso tempo azucrinando.
Este é seu hábito que mais me incomoda, ela se ocupa de tempos em tempos em humilhar Valdemir, o porteiro. Em uma dessas ocasiões ela abriu sua porta já bastante empenada e berrou:
- Valdemir, você pensa que esta em casa? Acha que pode fazer o que bem entende por aqui? Pois está muito enganado, aqui você não passa de mero empregado! Você é realmente muito folgado. Pois trate de enfiar esses seus passarinhos no cu, pois desde oito horas da manha que escuto esse infernal piu, piu, piu!
Quanta falta de respeito... Eu ainda poupei vocês de algumas partes do discurso, pois poderiam acarreta náuseas. Como se um piu, piu, piu incomodasse mais que um toc, toc, toc. Mas o que mais me indigna nisso é a maneira como ela reclama ao porteiro e não os motivos. Isso me faz lembrar a mãe da histérica citada acima. Ah se o porteiro pudesse revidar sem correr o risco de demissão, que covardia a dela não, Valdemir não tem o que fazer se não abaixar a cabeça e resmungar algumas palavras de ódio. Guardar a raiva não faz bem para ninguém, creio que um dia ele não vai conseguir engolir tal humilhação e regurgitará tudo que tem ficado indigesto depois de tantas humilhações públicas no corredor do prédio. Coitado, se assim for, estará fadado a se retirar do prédio com sua mulher e filho, que cresceu no 136 da Rua Itaipava.

Para abrir com chave de ouro

Coração Vagabundo (Caetano Veloso)

Meu coração não se cansa
de ter esperança
de um dia ser tudo o que quer.
Meu coração de criança
não é só a lembrança
de um vulto feliz de mulher
que passou por meus sonhos sem dizer adeus
e fez dos olhos meus
um chorar mais sem fim.
Meu coração vagabundo
quer guardar o mundo
em mim.